sábado, 16 de janeiro de 2016

Lar Lembranças do Olimpo (7)

Hércules tinha ido para as cavalariças. 
Hera chamou-o: - Hércules! Sei que estás aí! Fazes o favor de vir aqui, que o médico queria ter uma conversa contigo. Não te vão fazer exames, está descansado. É só para ele te conhecer!
Hércules demorou e Hera insistiu: - Anda lá! Não temos todo o tempo do mundo. Despacha-te! Já te disse que é só para falar!
Hércules apareceu caminhando até eles de olhos baixos. Quando chegou, Hera continuou com a reprimenda: - Parece que és burro! Senta-te e fica sossegado. E vê se respondes direito. OK!
Hércules levantou os olhos e disse: -Está bem! Mas a conversa tem de ser curta que tenho de tratar dos cavalos que, hoje, ainda não saíram e estão impacientes. Diga dona Hera o que quer! 
Sentaram-se numa mesa de jardim. Hera fitou o médico e depois Hércules e disse:
- Queria apresentar-te o Dr. Hipólito que vem substituir o Dr. Euclides. Não sei se já te tinha dito que morreu a semana passada. Mas adiante. Eu vou deixar-vos sós, mas queria que lhe contasses as tuas preocupações e anseios. Já sabemos que estás melhor, mas como, de vez em quando, tens recaídas e fazes asneiras de que depois te arrependes, o melhor é que ele te conheça!
E dito isto, transformou-se numa brisa e desapareceu por entre as folhas do jasmim que forrava a pergola onde estavam.

Hércules, ainda pensou em ficar calado, mas lembrou-se do que já sofrera em situações semelhantes e disponibilizou-se:
- Olhe Dr.! Quer que seja honesto consigo? Eu já não estou aqui a fazer nada! Gostava era de ir para o Hades, mas ele não me deixam! Querem-me para a manutenção desta casa. Aqui faço tudo. Corto relva, trato dos animais, arranjo os muros, faço os tratamentos às plantas. Se rebenta um cano é logo: - Oh Hércules! Anda cá! Eles são deuses, mas não querem calos nas mãos, nem dores nas costas. Eu, como semi-deus, deveria ser mortal! Ao Aquiles, deram uma morte rápida. A mim, deram a imortalidade como paga dos sucessos nos doze trabalhos a que me obrigaram. Sou o único semi-deus vivo! Até Jesus, que nasceu muito depois de mim, já se foi!
Trabalho para eles a tempo inteiro sem quaisquer direitos laborais. Andam para aí a falar que os humanos já deviam ter horários de 30 horas/semana e, no outro dia, até os ouvi discutir um aumento significativo dos vencimentos e pôr as horas extra pagas em valor decrescente. Um ordenado mais que suficiente para incentivar o consumo em tempos livres e criar ai novos empregos. Está a ver um paisano com um vencimento correspondente a um preço/hora de 30 Euros a fazer horas extra a 5? A ideia nem era má! Mas não se iluda! Aquilo é conversa de políticos a ver se a malta os elege e depois, é o que sabe. A mim deram-me a imortalidade. Boa merda! Não me deixam sair daqui! Se eu fosse para o Hades, algum tempo depois voltava noutro corpo, esquecido de tudo por ter passado pelo Lethes!
Percebe porque é que eu me chateio! Depois dizem que sou agressivo. Sabe aquela frase do Brecht “Do rio que tudo arrasta se diz que é violento. Mas ninguém diz violentas as margens que o comprimem”.... Dr.! Eu tenho os cavalos para tratar. Vou ter que ir. Continuamos a conversa noutro dia. Está bem??!!

Hipólito levantou-se, para se despedir, enquanto o questionava:
- Se a realidade é como diz, dou-lhe toda a razão. Mas a versão deles não é essa. Nela, você cria problemas onde não os há e não é “fiável”.
- Dr.! É o problema das “narrativas”! Por mim, aconselho-o a ter cuidado. Eles estão a pensar abandonar o planeta. Deixe-os ir. Talvez assim me dêem a mortalidade. Até lhe dava uns chouriços de javali que guardo há séculos. O bicho era de Erimanto. Deu enchidos para dar e vender e eu já não como como dantes. Prefiro carnes brancas.

Despediram-se. Hipólito ficou agarrado à mão direita e voltou a sentar-se. Esperou até que ele saísse com os cavalos, negros e fogosos e acenou-lhe um adeus. Hércules montava em pelo. Eram mais de cem e a  nuvem de pó era tal, que os encobriu.

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