domingo, 13 de outubro de 2013

Carta aberta a Maria


Bom dia! Maria!
Há anos que ando para te escrever, mas com tanto para te dizer, inibo-me. Hoje, como enches o audiovisual nacional, senti um pequeno impulso e vim para este teclado dar-te notícia dos meus tormentos.
Primeiro quero dizer-te que gosto das tuas imagens e da beleza calma com que os santeiros, ao longo dos anos, te têm representado. Também gosto do conceito de mulher/mãe, preocupada com a paz da sua família, que te está associado, pois esse conceito é fundamental para a organização de qualquer sociedade, o que, só por si, faz de ti um ícone.
Mas, queria-te dizer que, embora nesse aspecto, mantenhas plena actualidade, devias ter forçado o clero a dar-te outros atributos que te tornassem mais socialmente interventiva ... no “seu” mundo de homens. Esse teu ar recatado, de quem espera em vez de fazer acontecer, não está muito de acordo com a vida no ocidente, onde a pílula já não confina as mulheres à esfera da família. .
Também essa “eterna juventude”, com que sistematicamente te representam, desde que o Miguel Ângelo te esculpiu na Piéta, onde os teus quase cinquenta anos foram retratados como se estivesses ainda na adolescência, não ajuda ... sempre. Não se estranha, pois a mitologia cristã, à semelhança da mitologia greco-romana, manteve as deusas representadas como jovens capazes de provocar êxtases a frades votados à clausura, e os santos e deuses como homens bem para lá dos quarenta anos.
Mas adiante. Agora, como o turismo religioso é fonte de rendimento para o país e para o clero, meia dúzia de idólatras, transformou-te num “bezerro de ouro”, alvo de culto, à revelia do primeiro mandamento.
Os tempos que correm exigem mais de ti. Primeiro que abandones o epíteto de “Virgem”, porque no ocidente desenvolvido já poucos ligam a esses malabarismos de ter partos eutócicos e ficar tudo na mesma. Depois que se deixe de falar da tua "ascenção", porque também ninguém percebe porque é que havias de levar o corpo para o Céu, onde só te traria preocupação. Por fim, devias recriar a tua imagem, apresentando-te também de manga arregaçada a defender publicamente uma carta de direitos das mulheres. Isso é que era uma boa jogada! Agora só te disponibilizares para ouvir “Avés” e as tretas de um clero intencionalmente disposto a distrair os aflitos das suas aflições, parece-me muito pouco.
O “Culto Mariano” devia dar bases para a qualidade da maternidade, da luta contra a violência doméstica e para o enquadramento da mulher no mercado de trabalho, de modo a que o emprego considerasse o seu imprescindível papel de mãe. Mas no Clero há muitos que só lutam pelo seu próprio bem-estar e, sob a pele de cordeiros, associam-se ao poder, enredando os mais frágeis (onde as mulheres frequentemente se encontram) em historietas e falsas esperanças, inviabilizando os movimentos que conflituam com os interesses dos poderosos.
Queres um conselho, Maria? Associa-te a este Papa. Ele já começou a mexer na Cúria e no Clero e a preocupar-se mais com o que se passa com quem o ouve.
Não te envaideças com as praças cheias em Fátima, nem com o lucro dos garrafões de água e das velas em Lourdes, que isso pode ser sol de pouca dura, se te mantiverem neste registo, pois já deve haver outros ícones prontos para competir contigo, uns “Made in China”, outros, “in South Chorea” e, se não lutares por este nicho de mercado, entras rapidamente em falência.
Agora adeus, que eu tenho que calçar as botas e tratar da horta, que o Borda d’Água manda, e eu tenho de ir plantar a tronchuda para o Natal e semear cenouras e nabiças.

Até sempre, Maria!


Fernando