sexta-feira, 31 de julho de 2009

Pessoa























Cruzou por mim, veio ter comigo, numa rua da Baixa
Aquele homem mal vestido, pedinte por profissão que se lhe vê na cara,
Que simpatiza comigo e eu simpatizo com ele;
E reciprocamente, num gesto largo, transbordante, dei-lhe tudo quanto tinha
(Excepto, naturalmente, o que estava na algibeira onde trago mais dinheiro:
Não sou parvo nem romancista russo, aplicado,
E romantismo, sim, mas devagar...).

……………

Gosto assim! Truncado! Porque me deprimem os versos de Pessoa até ao fim!
Assusta-me toda aquela marginalidade, aquele “ir contra a corrente por necessidade”.
Prefiro retirar "as pérolas" do tecido áspero onde as pôs!

Não que lhe tire razão ou lucidez, mas ao abismo para onde nos leva, prefiro aquele em que combate.

quinta-feira, 30 de julho de 2009

O Elefante Branco


-"Olha lá: Dizes que vais receber um elefante branco, e já mo estás a endossar. Lembra-te da história. És tu que terás de viver com ele!"

Esta expressão, tem origem num costume asiático praticado na Índia e na Tailândia.
Quando um cortesão caía no desagrado do seu monarca este, às vezes, oferecia-lhe um belo elefante branco. O que parecia um presente grandioso, vinha a revelar-se uma dor de cabeça para quem o recebia. O elefante, por ser sagrado, só podia ser usado pelo próprio rei, não podia ser usado para o trabalho, nem participar em festas privadas do presenteado.
Ainda por cima, o cortesão teria de lhe dar abrigo magnificente, alimentá-lo opulentamente e ter ao seu serviço dispendiosos cornacas que o deviam tratar como um animal de luxo.

quarta-feira, 29 de julho de 2009

Tentativa de Suicídio




-“Tansinha! O que é que tu fazes aqui, toda chorosa, deitada nesta maca no meio do corredor!”, pergunta-lhe, ao deparar-se com a companheira de trabalho, naquele Serviço de Urgência. “O que se passou, rapariga?”
-“Fui eu que tomei uns comprimidos para me matar!”
-“Para te matares?”, questiona-a incrédulo, –“Tu, com o comboio a passar de meia em meia hora à porta de tua casa, foste gastar dinheiro em comprimidos?”.
E assim a deixou, mergulhada nas lágrimas de uma paixão fugidia.


terça-feira, 28 de julho de 2009

Uma Horta


Como é bom ter uma horta.
Regá-la diariamente, enquanto se programa o trabalho de amanhã.
Estar atento a toda a bicharada que se aproveita do nosso trabalho, desde as lagartas nas couves, às toupeiras nas cenouras, e antecipar adubos e tratamentos.
Mais o cavar, o sachar, o estacar, o atar, o apanhar e o limpar.
...

E saber que há supermercados … para as ineficiências!

segunda-feira, 27 de julho de 2009

Fazer tijolo


"Fazer tijolo" tem uma história.

Em linguagem comum quer dizer – “estar morto, sepultado”
"A sua origem vem, segundo se diz, do velho cemitério mouro que existiu para as bandas de Olarias, Bombarda e Forno do Tijolo em Lisboa. O almacáver, isto é, o cemitério mourisco, alastrava-se numa grande extensão por toda a encosta, lavado de ar e coberto de arvoredo.
Após o terramoto de 1755, quando começou a edificação da cidade, todo o barro era pouco para as construções e daí o aproveitar-se todo o que aparecesse. O cemitério árabe foi tão amplamente explorado que, de mistura com a excelente terra argilosa, iam também ossadas para fazer tijolo"
. in " A vida misteriosa da palavras" de Gomes Monteiro e Costa Leão


Se, daqui a uns 400 anos, alguém entrasse por um dos nossos cemitérios numa fúria construtiva semelhante, iria deparar com material protésico de alto valor, já que muitos deles integram metais nobres como o Cobalto, Molibdénio, Titânio e Platina, que rapidamente os converteria numa mina a céu aberto.

É que, no Ocidente industrializado, poucos são os que vão para baixo da terra sem que lhes seja acrescentado uma prótese, um pace maker ou um stent.

domingo, 26 de julho de 2009

Coros para educar



What sweeter music can we bring
than a carol for to sing
the birth of this our heavnly king.
Awake the voice, awake the string.
Dark and dull night fly hence away
and give the honor to this day
that sees december turn'd to may.
That sees december turn'd to may.
Why does the chilling winters morn
smile like a field beset with corn?
or smell like a meadow newly shourn.
Thus on the sudden come and see.
The cause why things thus fragrent be.
Tis' he is born who's quickening

birth gives life and lustre public mirth
to heaven and the under earth.
We see him come and know him ours

who with his sunshine and his show'rs
turns all the patient ground to flowers.
Turns all the patient ground to flowers.
The darling of the world is comeand

fit it is we find a room to welcome him.
to welcome him.

The nobler part of all the house here is the heart
Which we will give him and bequeath,
this hol-ly and this ivy wreath.
To do him honor who's our king
and Lord of all this reveling


Espanta-me o profissionalismo destes miúdos.

John Rutter - Compositor e maestro, nasceu em Londres em 1945. Coro do King's College Cambridge - 2008

sábado, 25 de julho de 2009

Medicina Baseada na Indolência


Não era nem mau homem, nem mau colega, era grande como o bigode que lhe comia as palavras das anedotas com que gostava de se presentear. “Sabes a última?” e contava enquanto ria, atordoando os ouvintes.

Se as paixões o forçavam, surgia a altas horas para fingir que fazia, mas era a luz do dia que o traía a distribuir o afecto.

Estudava mais roteiros turísticos que a sua arte, pois eram a História, a comida e as tertúlias que lhe davam razão ao estar.
Vivia numa auto-imposta pré-reforma, e praticava uma Medicina Baseada na Indolência.

sexta-feira, 24 de julho de 2009

A Banda da Salvada


Não sei se foi verdade, mas conto esta história há mais de 40 anos, com os retoques que naturalmente lhe fui acrescentando.

A cena passa-se em Beja e numa aldeia das suas imediações – Salvada, na primeira metade do século XX.

Há um senhor que é informado que o mestre da Banda de Música da Salvada anda “enrolado” com a sua esposa. Não sabe quem ele é, e decide ir àquela aldeia assistir ao ensaio da Banda, para aí o poder identificar e “tirar de esforço”.
Entra sorrateiro e pergunta a um do grupo: “Quem é o mestre da banda?”.
Só que é identificado como alguém que quer saber o que não deve, e é-lhe dada a resposta:
“Aqui, não há mestre! Aqui, cada um toca o que sabe!”

A frase ficou, e eu uso-a quando vejo qualquer equipe funcionar sem respeito pelas hierarquias e pelas funções.

quinta-feira, 23 de julho de 2009

Construção Civil


O Sr. Soeiro tinha um Alvará de Construção Civil.
O Sr. Soeiro tinha a 4ª classe, carro de alta cilindrada e vestia-se a rigor.
O Sr. Soeiro já tinha construído casas e sentia que tinha obra feita.
O Sr. Soeiro até tinha feito obra para um médico, facto que lhe dava qualidade.
O Sr. Soeiro ia à missa aos domingos e ajudava a festa da freguesia.
O Sr. Soeiro aventurou-se numa obra com arquitecto e envaideceu-se.
O Sr. Soeiro a meio da obra já corrigia o projecto.

É que o Sr. Soeiro gostava de "imitir o intigo".

quarta-feira, 22 de julho de 2009

No Tribunal.


-Também cá estás?
-Queres ver que fomos chamados todos outra vez?
-É garantido! Ali está C e ali D!
-Estes gajos não sabem trabalhar. Tratam-nos como se andássemos todos de costas ao alto!

O Processo é de 2003, entre audiências e adiamentos, esta é a sétima vez que aqui vimos, para dizer o que já dissemos, umas vezes no Juízo Cível, outras no Criminal.

-É o que acontece quando os malucos andam à solta! Quem paga é quem tem juízo!
-Não é bem assim! Maluca só há uma, e essa já morreu! Os outros andam a safar-se!

Recapitulemos:
A Sra. Balbina era esquizofrénica de longa data. Vivia sozinha e recusara qualquer tratamento. Um dia foi encontrada inanimada por vizinhos e levada para o Hospital em coma diabético. Recuperou e, por continuar a recusar viver com a família, foi-lhe assegurado apoio domiciliário com uma sua antiga aluna. Manteve a recusa da medicação e entrou no SU do Hospital várias outras vezes com graves descompensações da doença.
Da última vez, teve alta já com grande degradação. Estava acamada, tinha escaras e mal respondia à voz. Morreu dias depois.
Mas … antes de morrer, pôs a impressão digital num documento que alterava o seu testamento em favor da cuidadora.
E aqui, é que está o problema.

A doente tem diagnóstico clínico de esquizofrenia e, mesmo que o não tivesse, todo o seu comportamento nos últimos 10 anos o apoia.

A tentar safar-se:
1: A Cuidadora que pensa que alguém que sabe escrever, que está na plena posse das suas faculdades mentais e sem qualquer défice motor identificado, autentica um documento com uma impressão digital.
2: O Notário que dá cobertura a uma cena destas.
3: O Tribunal, que vai vivendo com estas questiúnculas, e evita assim lidar com casos complexos.
4: Os Advogados, para quem casos como este, são a galinha dos ovos de ouro, que os transforma nos verdadeiros herdeiros.

E os quatro médicos chamados a depor, mais as 15 testemunhas, a assistir à divisão do bolo da herança.

terça-feira, 21 de julho de 2009

Loucos à solta - O fim dos Manicómios


A prática de retirar os doentes mentais do convívio social para colocá-los num lugar específico tem origem na cultura árabe, datando o primeiro hospício conhecido do século VII.
Os primeiros hospícios europeus são criados no século XV e proliferam no século XVII. Abrigam juntamente os doentes mentais e marginalizados de outras espécies. O tratamento disponibilizado nestas instituições era desumano, sendo considerado pior do que o recebido nas prisões.
O termo Manicómio surge no século XIX para designar mais especificamente o Hospital Psiquiátrico, já com a função de dar um atendimento médico sistemático e especializado.

Philippe Pinel (1745-1826), influenciado pelos ideais da Revolução Francesa inicia a abordagem da questão dos "loucos" como um assunto médico-científico, sem contudo mudar a prática dos tratamentos que se mantiveram fundamentados no conceito de que um "choque" que fizesse o doente passar por uma sensação intensa, o poderia tirar do seu estado de alienação. Eram correntes as práticas de sangria, de isolamento em quartos escuros, de banhos de água fria, além dos aparelhos que faziam com que o paciente rodopiasse em macas ou cadeiras durante horas para que perdesse a consciência.
Com Freud (1856 – 1939) e a psicanálise, com os Psicofármacos (de 1950 em diante) e o desenvolvimento dos recursos de diagnóstico, dá-se o esvaziamento progressivo dos macro-hospitais psiquiátricos – os Manicómios.

Em meados do século XX surgem movimentos que apontam críticas ao atendimento dispensado nos Hospitais Psiquiátricos, acusando-os de promoverem isolamento, reclusão, abandono, estigmatização e tratamentos inadequados, elementos propiciadores de um percurso institucional cronificante, e propõem um atendimento que garanta a sua dignidade, enquanto cidadãos.

Usa-se uma nova linguagem: “atender às necessidades do cidadão portador de um sofrimento psíquico, num tratamento mais humanizado, mais socializante, mais solidário e mais eficaz, visando as suas relações familiares, de trabalho e também assistenciais, de forma a melhor inseri-lo no seu meio, oportunizando mais espaços de socialização e de recuperação das suas potencialidades, reabrindo a sua comunicação na família e no seu ambiente social, trazendo a ele um sentido mais significativo de existência".

Em Portugal, a Lei de Saúde Mental, Lei n.º 36/98, de 24 de Julho, dá as orientações para as mudanças ideológicas, estruturais e políticas.

Só que, quando as estruturas de saúde e assistenciais não tem recursos para lhes bastar, todas aquelas palavras bonitas ficam no papel, enquanto as famílias desesperam.

domingo, 19 de julho de 2009

Eu sei a mulher que tenho!























- Sr. Firmino! As suas análises, não estão bem! Aqui há indícios de que você continua a beber!
- Sr. Dr., é só uma taça de longe em longe! Só se foi de uma cerveja gelada que eu bebi no domingo anterior às análises!
- Mas havia de ser uma grande cerveja para causar tanto estrago, Sr. Firmino!

Não tinha jeito. Numa fraqueza condescendera em ir ao médico. Com pouco mais de 40 anos, era a mulher que lhe fazia tudo, desde o trabalho da casa ao negócio do Café, enquanto ele passeava de mesa em mesa ou fazia pequenos recados.

- “Oh Sr. Firmino, você nem se entretém com o trabalho! Assim a sua mulher não aguenta!”
- “Aguenta sim Sr. Dr.! Eu sei a mulher que tenho!”
- “Aguenta agora! Olhe que ela não é de ferro. Um dia cansa-se, e vocês ficam sem o sustento!”
-“Oh Sr. Dr. Não cansa nada! Eu sei a mulher que tenho!”
- “Mas olhe que se não cansa, farta-se de si e deixa-o!”
- “Não deixa nada Sr. Dr.! Eu sei a mulher que tenho!”

E ela com os olhos baixos, sem conseguir enfrentar aqueles 40 Kg de homem.

sexta-feira, 17 de julho de 2009

Panis Angelicus




St. Philips Boys' Choir, Norbury, UK. Gravado em Julho de 1987. Solistas Jaymi Bandtock e Sam Harper.
Texto em Latim de Tomás de Aquino (1227-1274), e música de Cesar Franck (1822-1880)

Panis angelicus fit panis hominum;
Dat panis coelicus figuris terminum:
O res mirabilis!
Manducat Dominum
Pauper, pauper, servus et humilis.
Pauper, pauper, servus et humilis.


Pão dos anjos que se torna o pão da humanidade!
Pão do céu que é o fim de todos os desejos.
Oh, coisa maravilhosa!
Este corpo de Deus irá alimentar
Até os servos mais pobres e humildes!

Para mim o Pão do Céu é o Conhecimento Estruturado. É ele que irá salvar os pobres e os simples dos abusos e prepotências.
Mas para isso, é necessário que as novas Catedrais sejam as Escolas e os Bispos os Professores.

quinta-feira, 16 de julho de 2009

Esquizofrenia Residual


- “Não me interne ... Sr. Dr.!” , dizia com voz entaramelada a envolver-me num hálito adocicado de cuba vazia.
- “É estigmatizante para mim, ... Sr. Dr.! ... Ficar aqui ... não se faz, ... é coarctar a liberdade das pessoas, ... Sr. Dr.!
E eu a escrever os tópicos dos seus 15 anos de esquizofrenia e alcoolismo, ditados pela sua mãe, enquanto ele, inquieto, arrastava os pés pelo consultório:
-“Ficar aqui, ... à beira dos tolos, ... Sr. Dr.?! Deixe-me ir embora! ... É que ainda por cima, ... esqueci-me do tabaco, ... Sr. Dr.!”
...
-“Então a Sra. foi visitá-lo a casa, e encontrou-o em coma?, e ele a interromper, enfastiado e pastoso: - Oh mãe! ... Em coma? Mãe?! ... Eu só bebi duas taças, Mãe!

Vive só, tem uma pensão de invalidez. Estudou Direito. Nos 3 últimos anos veio 40 vezes ao Serviço de Urgência, muitas delas trazido pela Policia por desacatos.

quarta-feira, 15 de julho de 2009

Uma Mania


- “Ele até pode ser aquilo que você está para aí a dizer, mas não há mãos como as dele!”
- "E depois? Se a cabeça julga mal, para que lhe servem as mãos?”
Era uma conversa de surdos.

Sempre entendi que a mão obedece à cabeça e que o resultado final é um projecto desta e não um acaso daquela, mas ele insistia em se deslumbrar com a sua filigrana. Todos lembrávamos as vezes em que aquelas mãos foram decisivas, mas enquanto uns, só por isso, lhe desculpavam as loucuras, outros pesavam tudo e concluíam de modo diferente.

Para mim era um atrevido, que se aproveitava das fraquezas dos outros mas, no seu grupo, onde a irreverência fazia escola, havia quem o tolerasse, já que não se vislumbravam consequências dos seus desmandos.

- "Mas eu estou-me a entender?!" Gritava, quando sentia qualquer ameaça à sua posição, antes de se ausentar para paradeiro incerto. É que ele não estava ali para atender quem chegava. Estava ali para resolver o que mais ninguém resolvia, sem mais recursos de que a sua habilidade. Depois, assim como aparecia, desaparecia, qual Justiceiro Solitário, fumando sereno a sua cigarrilha para pasmo dos mortais.
Era ele o chefe e, como minorava as consequências, não antevia dificuldades. Também os grandes intervalos com que se presenteava lhe facilitavam a ousadia, facto que facilitava os “presentes envenenados”, com que era agraciado.
Falava-se que uma doença psiquiátrica o protegia, e antevia-se breve o fim daquela carreira. Por fim este chegou, atabalhoado, inconsistente, com negações das evidências, mas a ser suficiente para ... "uma reforma antecipada"!

terça-feira, 14 de julho de 2009

Made in China



Lie Jie, nasceu na China em 1981.

Iniciou a aprendizagem de guitarra clássica aos 11 anos.

Este vídeo é de 1995, quando ela tinha 15 anos.

segunda-feira, 13 de julho de 2009

Trás-os-Montes 1977























- "Dona Maria! E o seu marido onde está?"

- "Sr. Dr.! O meu marido está preso! Mas ... é por matar, não é por roubar!" - frisou, para deixar bem claro que ele era um homem honrado.

domingo, 12 de julho de 2009

Consulta HIV/SIDA


É uma consulta difícil a exigir um “perfil” adequado. Primeiro porque a doença é muito dinâmica e necessita de actualização constante, depois porque exige atenção a pormenores que passam despercebidos a quem não está treinado, e por fim porque há outros aspectos a ter em conta para além do diagnóstico e da terapêutica. É que a maioria dos doentes é jovem, reivindicativo e com experiências de vida pouco comuns, para além de poderem ter sequelas de doenças neurológicas.
Há que ser discreto, subtil e paciente para garantir um razoável atendimento e estar disponível para se medir com a doença e com uma eventual disfunção social, neste jogo onde a vida se joga.
Os meios auxiliares de diagnóstico e o tratamento específico são muito caros, e os utentes raramente se apercebem disso!

-"Sra. Dra! Esta Consulta é especial? Tem doentes tão estranhos! Não quero voltar cá!", dizia a Dona Rosa, no momento em que o Paulo Jorge assomava à porta, sem bater, para perguntar:
- "Sra. Dra.! Ainda demoro muito a ser atendido? É que eu tenho o carro no Parque! Ainda quero ver quem é que me paga o Parque!"

-"Sr. Luís! Os medicamentos são para tomar! Deste jeito o Sr. não melhora! Estamos para aqui a dar-lhe os medicamentos de graça, que são bem caros, e o Sr. não os toma! A continuar assim, deixamos de lhe dar os medicamentos!"
E o Sr. Luís a recostar-se na cadeira, a cruzar a perna, e a retrucar com ar de quem sabe bem o terreno que pisa: -“E a saúde pública, Sra. Dra.?"
-"Olhe que se não tomar a medicação, morre breve!"
E ele mantendo o mesmo ar -"Esteja descansada! Que eu ainda hei-de ir ao seu enterro!"

sábado, 11 de julho de 2009

Conversa de Sábado


Ouço-o e sintonizo-lhe a mágoa e a angústia que o levaram àquelas difíceis decisões.
Fala de 1964 como se fosse hoje, com a minúcia dos minutos e das respostas quando questionou o inquestionável – a Igreja.


O Seminário dera-lhe corpo a uma vocação onde a solidariedade era a alma. Por opção, foi padre numa paróquia dos arredores de uma grande cidade e ao discurso juntou a prática e organizou vontades. Fora dos poderes instituídos, promoveu a construção de habitações para os pobres e, numa atitude dissonante, recusou o pagamento dos rituais.
Foi rotulado de comunista, com as respectivas consequências.

Aos 30 anos decide ingressar na Universidade. Pergunta "se 15 anos de Seminário lhe dão equivalência a curso superior", e espanta-se por o equipararem ao 2º ano do Liceu.
Em 2 anos, termina o 7º ano (actual 12º) para concorrer a Medicina. “Que não pode! Onde é que se viu um padre médico? Há incompatibilidades!”. Rebusca na legislação canónica e encontra uma alínea que o poderá permitir – a anuência do Ordinário do lugar (o Bispo). Confronta-o, já em plena crise de valores, e obtém o seu acordo, mas a polícia política está já no seu caminho. Resigna e foge para Paris.

Aí dorme nas saídas de ar do Metropolitano, e trabalha ilegal a descarregar carcaças de animais num Mercado. “Bom tempo! Ganhava por carcaça, e alimentava-se de baguettes e leite. Tanto que eu gostava daquelas baguettes francesas!”
Mais tarde, irá transportar móveis, para se formar, com nota elevada, pela Universidade de Paris.
Depois teve um percurso universitário, que se prolongou para Portugal com o 25 de Abril.

Mas o que me surpreende, é o modo como ainda se refere ao tempo perdido no Seminário, aos conceitos que lhe incutiram sobre a mulher e o seu corpo, e ao seu espanto de saber de professores seus, homens de uma dignidade e postura exemplares, se manterem fiéis a Roma e aos seus dogmas.

E eu a ouvir na mesa do Café ao lado, antes dele chegar, que se pode mudar de mulher e de partido, mas de Clube é que nunca!

quarta-feira, 8 de julho de 2009

O Spider-man



De repente fez-se luz! Ele tem um Spider-man qualquer dentro da cabeça e, se for forçado, caminhará para a tragédia.
Como ele, assumiu o anonimato e “a defesa dos pobres e desprotegidos” numa “luta sem tréguas contra o mal”.

A imaturidade afectiva e as fantasias de poder são comuns em crianças com défice de contactos interpessoais, fora do círculo restrito familiar, a quem as mães tendem a satisfazer todos os desejos.
Quando persistem na idade adulta, levam-me a suspeitar de Perturbação de Personalidade.

terça-feira, 7 de julho de 2009

Morango do Nordeste



A composição dos pernambucanos Walter de Afogados e Fernando Alves, fez sucesso, no Brasil, no ano 2000 e por cá muito mais tarde.

A letra apresenta frases desconexas, que se trauteiam só por conterem palavras comuns neste tipo de música.

Estava tão tristonho quando ela apareceu
Seu olhos que fascinam logo estremeceu
Os meus amigos falam que eu sou demais
Mas é somente ela que me satisfaz
É somente ela que me satisfaz
É somente ela que me satisfaz

Você só colheu o que você plantou
Por isso que eles falam que eu sou sonhador
E digo o que ela significa p’ra mim
Ela é um morango aqui no nordeste
Tu sabes não existe sou cabra da peste
Apesar de colher as batatas da terra
Com essa mulher eu vou até p’ra guerra , (vou)
Aai, é amor, Aai é amor, É amor
Aai, é amor, Aiaiai é amor, É amor


Será que faz sentido, não ter sentido? Será assim o amor? Um tufão de ideias soltas?

segunda-feira, 6 de julho de 2009

Kami







Entraste de rompante e agora debates-te com o problema. É que isto de ser jovem e ter direitos, não é tão natural como tu pensas.
Aqui todos temos o espaço que fomos construindo ao longo dos anos, e as tuas nove semanas não te permitem entender o que é o direito ao sossego.
Não chegaste para ser dona disto, nem tens a mãezinha a controlar os teus desmandos exploratórios. Aqui há regras! Tens que fazer a Integração, aprender o que está nos Manuais e assistir às Reuniões para te aperceberes como isto funciona.
Primeiro há que respeitar os outros e não vir a correr feita louca enfiar os dentes em tudo o que mexe. Segundo, o Troll chateia-se com o teu excesso de juventude, e nem as tuas manhas femininas às primeiras ladradelas o comovem.
Queres um conselho? Vai de mansinho e lambe-lhe o focinho ou enrosca-te nele quando o topares deitado. Aprende-lhe o ritmo antes de lhe impores o teu, até porque vais ter de te esmerar para conquistar o gato que tem um feitio do pior que há por aí.

Ficas Kami, porque apareceste como um terramoto a desestabilizar a paz deste espaço.

Kami (mitologia japonesa): “sob a Terra – de planícies juncosas – jazia um Karm (um ser sobrenatural) que tinha a forma de um barbo e que, ao mover-se, fazia estremecer a terra, até que o Magno Deus da ilha de Cervos enfiou a lâmina da sua espada na terra e lhe atravessou a cabeça. Quando o Kami se agita, o Magno Deus agarra o punho e o Karm volta à quietude”

in “O Livro dos Seres Imaginários” de Jorge Luís Borges.

domingo, 5 de julho de 2009

Teatro do Absurdo: “O médico doente”


















Personagens
Dr. Chefe – chefe de Equipe
Dr. Não – médico da Urgência.
Dr. Talvez – médico da Triagem, recém formado.
Sra. Vítima – doente
Maqueiro

Cenário:
O ambiente reproduz um Serviço de Urgência num Hospital em Portugal, em inícios do século XXI.
A peça deve ser representada sem entreacto. Entre as cenas, o ruído do corredor deve intensificar-se, salientando-se, à vez, um tipo de conversa - um convite de um profissional para um encontro, o de um familiar a combinar um negócio, … raramente uma informação sobre a saúde de algum doente.
Antes de cada cena, respeitam-se 30 segundos de silêncio, em que os actores param, marcando assim o hiato de tempo.

Décors: Ao longo de todo o espectáculo o cenário não muda. Deve ser constituído por um corredor e duas salas de cada lado, só marcadas no chão e pelas portas. Os actores vestem-se de acordo com as profissões hospitalares.
Durante a representação o corredor deve estar cheio de macas, e com um constante vai vem de pessoas e profissionais, muitos deles falando ao telemóvel ou a clicar mensagens.

1ªActo

Cena 1
No corredor caminham em direcções opostas o Dr. Chefe e o maqueiro, que se encontram.

Maqueiro (discretamente, indicando uma jovem senhora chorosa, que está sentada com uma criança ao colo): Dr. Chefe, aquela senhora quer falar com o Chefe de Equipa. Pode atendê-la?
Dr. Chefe (após um momento de hesitação): Está bem! Pode ser já! Traga-a ao meu gabinete, por favor.

O maqueiro dirige-se à jovem e orienta-a para a porta do gabinete onde está o Dr. Chefe.

Dr. Chefe: Então que se passa?
Sra. Vítima (a tentar conter as lágrimas): Sr. Dr., eu tive um acidente quando entrava no autocarro à saída do Supermercado e magoei-me neste braço. Chamaram a ambulância e trouxeram-me para o Serviço de Urgência. Como vinha com o miúdo, tive de o trazer, porque vivo numa aldeia perto daqui.
Quando cheguei, fui logo atendida e pediram-me uma radiografia. Como estava há muito tempo à espera de ser chamada para lhe saber o resultado, bati naquela porta em frente, a perguntar se demorava muito. Mais por causa da criança que por mim!
Como ninguém respondeu, abri a porta e espreitei. Estava lá um doutor, que desatou aos gritos comigo, dizendo-me coisas que eu nunca pensei ouvir na vida.
Dr. Chefe: e isso foi há muito tempo?
Sra. Vítima: Foi para aí há 10 minutos! Eu quero fazer queixa dele.
Dr. Chefe: Aguarde um pouco que eu vou ouvir o que o médico tem a dizer.

......................
Cena 2
O Dr. Chefe sai do seu gabinete, atravessa o corredor e dirige-se à outra sala onde o Dr. Não está em frente do computador.

Dr. Chefe: Dá licença, Dr. Não.
Dr. Não: Faz favor, Dr. Chefe!
Dr. Chefe: Desculpe interrompê-lo, mas tenho ali uma senhora a queixar-se de que foi agredida verbalmente por ti, quando tentava indagar o porquê de tanta demora.
Dr. Não: (levantando-se e elevando a voz) – E depois? O que foi? Ela não foi observada por mim! O Dr. Sim foi operar e ela vai ter de esperar.
Dr. Chefe: Mas ela não se queixou da espera. Ela queixou-se dos teus modos para com ela!
Dr. Não: Tu és sempre assim! Mau colega! O que é que tu queres? Já te disse que não fui eu que a vi! Ela que espere!
Dr. Chefe: Já vi que não se pode falar contigo. Informo-te, no entanto, que a senhora pretende apresentar uma queixa, e que eu a apoio!
Dr. Não: Que apresente!

......................
Cena 3
No corredor, o Maqueiro procura o Dr. Chefe, para lhe dar uma notícia fora do comum.

Maqueiro: Dr. Chefe! O Dr. Não inscreveu-se como doente na Admissão, depois de discutir consigo!
Dr. Chefe: Obrigado! (e dá mais uns passos em direcção à admissão de doentes, quando surge o Dr. Não, com ar agressivo, e se lhe dirige).
Dr. Não: Quero que me vejas! Sabes, eu sou diabético e tenho a tensão alta, e depois de discutir contigo, fiquei indisposto!
Dr. Chefe: Lamento, mas tens de ir primeiro à Triagem de Manchester. Depois serás observado de acordo com a prioridade.
Dr. Não: Para a Triagem de Manchester?
Dr. Chefe: E exijo que te seja efectuada uma Triagem correcta.


2º Acto
Cena 1
O Dr. Talvez procura o Dr. Chefe no seu gabinete. Vem com ar pouco confiante.

Dr. Talvez: Dr. Chefe! O Dr. Não teve Amarelo e vai para a Triagem Geral. Vou ser eu a vê-lo. Que faço?
Dr. Chefe: Fazes o que tens a fazer! Se ele não tiver nada, dá-lhe alta de imediato. Se te parecer que ele pode ter qualquer coisa, pede exames auxiliares ou colaboração.

........................
Cena 2
O Dr. Não vem ao encontro do Dr. Chefe, desta vez mais calmo.

Dr. Não: Pediram-me umas análises! Posso esperar o resultado no serviço?
Dr. Chefe: Não! Tens de ficar no Serviço de Urgência, como todos os outros doentes, Não te vá dar qualquer coisa. Quando muito podes ficar no teu gabinete.

........................
Cena 3
O Dr. Não vem ao encontro do Dr. Chefe, desta vez ainda mais calmo.

Dr. Não: Deram-me alta! O que é que eu faço? Continuo a trabalhar ou vou para casa?
Dr. Chefe: Não sei! São quase 20:00h, o médico que te deu alta está quase a sair. É melhor ires perguntar-lhe se tens dúvidas.

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Cena 4
O Dr. Não vem ao encontro do Dr. Chefe.

Dr. Não: Continuo ao serviço!
Dr. Chefe: Óptimo!


Intensifica-se o ruído no corredor, com conversas sobre todos os assuntos entre os familiares acompanhantes, profissionais ao telemóvel e a clicar mensagens, como se todos estivessem no corredor de um Centro Comercial.
A Sra. Vítima, sai sorrateiramente pela porta, enquanto o pano desce.

sábado, 4 de julho de 2009

Luís Pipa

Luís Pipa

Era assim que eu sonhava este país, numa luz de fim de dia, com a harmonia dos sonhos onde nada se salienta por tudo ser importante. É assim que eu o ouço de olhos fechados!

sexta-feira, 3 de julho de 2009

Eu de Psiquiatra










-"Oh Sr. Avelino, então você anda a ver bichos?",
pergunto, enquanto lhe disponibilizo a cadeira. Ele senta-se titubeante, com os dedos em pinça sobre o dorso da outra mão como a retirar linhas por lá pousadas, olha para mim, para se certificar da minha atenção, e diz:
-"Olhe aqui, … a cara de uma criança! e aqui … uma minhoca! Isto aqui não é nenhuma veia!” afirma com quem pergunta. -"Mas não tem problema, que eu vou-os tirando, e ... até me entretenho!", e levanta a cabeça para me presentear com um sorriso pastoso.
Ao lado, a mulher cansada de tanto repetir as mesmas coisas, ainda o tenta trazer à realidade:
-"Oh homem não digas isso, que tu há duas noites que não dormes por causa dos bichos que dizias que nasciam das paredes.
-"E estavam!", diz a marcar a posição. -"Eu vi-os!”, e para me lembrar das contrariedades a que um homem está sujeito, vira-se para mim de mãos abertas e eleva os ombros: -“Está a ver! É assim que nascem as paranóias!"

Hoje não existe psiquiatra na equipe de urgência que chefio. Sou eu que tenho de decidir quem fica para amanhã, quem vai transferido para observação urgente pela especialidade e quem pode voltar noutro dia.
Hoje vão ser onze. Este é o quinto. O maior problema dos homens é o álcool, o das mulheres "as depressões".
Negoceio soluções, já que muitos dos casos não constituem urgências.

Esta mulher, está determinada a por termo àquele desmando: -"Oh Doutor! Até tive de sair de casa e ir dormir para a roulotte, porque ele estava sempre a chamar, porque eu também tinha que os ver!”
Para tentar perceber o grau de disfunção, arrisco mais uma pergunta.
-"Então, se a Sra. foi para a roulotte, como é que sabe que ele não dormiu nada durante a noite?
E a pobre senhora a condescender, mais aquele pormenor:
-"É que ele apareceu lá, nem passava meia hora. Foi de cuecas pela rua, com o gato numa mão e um vaso da vizinha na outra, assim pela rua às 3 horas da manhã, os 100 metros entre a casa e o local onde a roulotte está estacionada".
-"E ficou lá a dormir consigo?"
-"Não, porque quando lá chegou também lá viu os bichos e quis voltar para casa".

Agora, viro-me para ele, para lhe entender a mente:
-“Olhe lá, e para que é que você levou o gato e o vaso?”
-“O gato era para que os bichos não lhe fizessem mal e o vaso era para afastar os bichos”.
-“Ah! e depois?”, e retomo a conversa com aquela senhora magra e bem vestida, que destoa ao lado dele, e que delicadamente me responde, sem restrições.
-“Depois Sr. Dr., na ida para casa, começou a dizer que via uns rapazes escondidos atrás das árvores, a rir-se dele. Mas não estava lá ninguém!”
E ele a interromper prontamente:
-“Estavam, estavam! Só que eles põem folhas em cima para se disfarçarem e ficam quietos como estátuas, para a gente pensar que eles fazem parte da árvore. São uns rapazolas! Fazem aquilo só para brincar. Mas estavam lá. Que é que tu estás para aí a dizer!”, emendava, enquanto ela retomava o discurso:
-“E depois Sr. Dr., pu-lo em casa e voltei para a roulotte e ele chamou a Polícia pelo 112, a dizer que estava a ser assaltado e, quando esta lá chegou, ele tinha uma pistola e uma faca da cozinha na mão e ficou a dizer-lhes que tinha prendido ali três moços que o tinham assaltado.”

-“Oh sr. Avelino! Você tinha-os preso?”, pergunto-lhe com o meu melhor ar de incrédulo.
-“Sim! Um era preto, tudo rapazes novos, deitaram ácido por baixo da porta e tiraram o canhão da fechadura. Levaram os 130 Euros que eu tinha no saco de plástico.”
-“Mas se você os apanhou, como é que o roubaram?”
-“É que um ficou cá em baixo, e eles atiraram-lhe o dinheiro! A Polícia levou-os, mas depois mandaram-nos embora e eles voltaram para roubar outra vez.”
Aí a senhora intervém de novo, a tentar salvar-lhe os bons princípios:
-“Não roubaram nada, nem havia moços nenhuns, Sr. Dr.. A pistola não tinha carregador! Ele tinha-a encontrado à beira da roulotte e estava para lá. Mas a polícia levou-lha!”

-“Sr. Avelino, você vai ter de ficar cá connosco!"
À procura de um rasgo de lucidez, endireita-se. -“Nem pensar! Eu esta noite tenho de ir vender para a beira da discoteca os cachorros e as bebidas. Hoje não fico!”, e tenta tirar a agulha do braço, enquanto a mulher o contém:
-“Oh homem, tu tens de ficar. Eu trato do negócio!”
O Sr. Avelino, com um meio sorriso condescendente repreende-a: -“Olha lá! Como é que tu levas a roulotte? Tu não tens licença. A licença está em meu nome!”
E ela, sem paciência para mais argumentos, a olhar-me com aqueles olhos de muitos anos de mau viver:
-“Oh Dr., ele não pode ir assim. Há dois dias que não tenho descanso!”

Assumo como meu todo aquele desespero, levado até ao limite da tolerância:
-“Sr. Avelino! Vamos combinar! Você toma uma injecção para limpar essa garrafa de whisky que bebe todos os dias, e depois vai embora! Está bem?”.

-“Está!”
...
Abençoadas benzodiazepinas de acção rápida!

quinta-feira, 2 de julho de 2009

Uma esmolinha por amor de Deus

do Paraguaio Agustín Barrios “Mangoré” (1885-1944)i


Ioana Gandrabur nasceu na Roménia e emigrou para o Canadá aos 16 anos. É cega de nascença.